segunda-feira, 29 de agosto de 2022
Recomendações de leitura 3ª Edição do "Marés de Palavras"
terça-feira, 16 de agosto de 2022
A Escrava Açoriana - A Irreverência de uma Mulher em Tempos de Incerteza | Pedro Almeida Maia
Aviso Legal: Este livro foi-me enviado pela Cultura Editora para divulgação e opinião honesta. Todas as opiniões expressas nesta opinião literária são verdadeiras e completamente minhas.
"Se os Açores são ilhas vulcânicas, os açorianos são as suas cinzas espalhadas pelo mundo." (p. 93)
Depois do seu quinto romance, Ilha-América, onde Pedro Almeida Maia nos apresenta uma história ficcionada com base em relatos verídicos da emigração ilegal açoriana para a América, temos uma história que nos volta a fazer viajar ao passado (desta vez mais um pouco e também com base em relatos reais) até 1873 também para relatos de emigração ilegal açoriana para o Brasil.
Em A Escrava Açoriana é-nos apresentada Rosário, uma jovem determinada, sonhadora e impulsiva que, farta de uma vida pequena onde não cabem todos os seus sonhos, anseia viajar para o Brasil em busca de uma vida melhor.
Num tempo em que os engajadores brasileiros aliciam os açorianos a viajar para o Império, com promessas de riqueza a família de Rosário julga que partir rumo ao Brasil é a melhor solução para as dificuldades que passam face à crise da laranja que se faz sentir e decidem embarcar face a um mundo de novas oportunidades.
Assim, abandona Ponta Delgada rumo ao Brasil e quanto mais Rosário se afasta da ilha mais perde o rumo e o sonho de uma vida melhor. Perante as situações que enfrenta a sua inocência de menina vai-se dissipando junto com a esperança que tinha em vingar neste tempo em que a supremacia masculina esmaga sem dó as mulheres que se atrevem a desafiar as mais pequenas convenções masculinas.
"O Senhor Santo Cristo dos Milagres dera grandes provas de salvação na ilha, talvez no Brasil não tivesse a mesma jurisdição." (p. 108)
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Já dizia Saramago que "é preciso sair da ilha para ver a ilha" e foi este o caso desta Rosário (e de tantas outras Rosários espalhadas pelo mundo que só veem a ilha depois de sair dela) que precisou de sair da segurança do seu lar para enfrentar o mar e as ruas desconhecidas de Rio de Janeiro para ansiar o regresso à sua terra.
Gostei muito da Rosário, de como de rebelde, sonhadora e muito impulsiva cresceu para se tornar numa mulher forte e que sabe escolher as batalhas em que vale a pena lutar. Gostei como a sua visão sobre a vida foi mudando, apesar das dificuldades que teve que passar. Rosário é um verdadeiro furacão, determinada a cumprir o seu sonho de ter uma vida melhor e a perdoar-se pelo que precisou de fazer pela sua sobrevivência.
Depois de A Viagem de Juno e Ilha-América o meu gosto pela escrita do autor voltou a crescer com "A Escrava Açoriana". Pedro Almeida Maia consegue sempre surpreender-me pela positiva.
Estejam atentos e leiam bem o que vos digo: Pedro Almeida Maia veio para revolucionar a literatura açoriana.
O autor tem crescido cada vez mais nesta arte e acho impressionante como a sua escrita melhora de livro para livro num tão curto espaço de publicações. Sabe adaptar-se e evoluir face à perspetiva e história que pretende contar. Um dos aspetos que noto cada vez mais é a melhoria na introdução subtil de factos históricos e regionalismos açorianos que se enquadram de forma perfeita na história.
Contudo, confesso que quando soube que o livro teria uma protagonista feminina fiquei reticente. Sendo o autor que é (com livros que devoro) confiei que ia dar certo, mas parte de mim continuava preocupada. Da minha experiência enquanto leitora, acho bastante incomum um homem conseguir escrever da perspetiva de uma mulher e fazer justiça ao papel desta na sociedade (implica sensibilidade, humildade e introspeção do privilégio masculino que muitas vezes os autores não conseguem alcançar, pois bem sabemos que persiste a luta para quebrar convenções que são transmitidas inconscientemente de geração em geração). Mas cumpriu a missão com sucesso (ufa)!
A sensibilidade com que as lutas da protagonista foram descritas, os seus sonhos utópicos destruídos, as descrições das suas diferentes dores de corpo e alma fizeram da Rosário uma protagonista notável, que faz o leitor temer as dificuldades com que se depara e celebrar as suas conquistas.
A Escrava Açoriana não é apenas um livro sobre escravatura, é um livro sobre utopias, ilusões, dor e resiliência.
A Escrava Açoriana é um maravilhoso retrato social, económico e político da ilha de São Miguel nos anos 1873 a 1926, bem como do Brasil, trazendo a história de Rosário em representação dos açorianos que emigraram nessa época em busca de uma vida melhor encontrando apenas uma vida de miséria e de escravatura.