domingo, 8 de setembro de 2024

A Força das Sentenças | Pedro Almeida Maia


"Esta doença veio rasgar-me a vida e destroçar a felicidade da minha filha. Sou maior especilho do que ajuda, maior entrave do que facilitador. O melhor é mesmo desaparecer. Estar doente sem direito a cura é algemar a esperança, decapitar a fé. Um homem pode adoecer de qualquer coisa, mas não lhe roubem a luz ao fundo. Esta minha doença incapacita-me com o passar do tempo, é um esquilo que me vem roubar uma avelã a cada dia, um pássaro que espicaça uma minhoca a cada hora. Nessa dança, rasteiram-me a cada batida, a cada passo. Levam pedaços da minha existência. O que será a vida senão as memórias? Quando eu morrer, não levarei nada. O melhor que poderei ter, um pouco antes de parar de respirar, um pouco antes de o coração se desligar, são as minhas memórias. De que me serve tudo o resto se não me vou recordar?” (p. 51)

Em “A Força das Sentenças” conhecemos a história de Penedo Quental, um professor muito conceituado e que após a morte da mulher, Josefa, foi diagnosticado com Alzheimer.

O Professor vive sozinho e passa os seus dias a lidar com essa sua “sentença”, com a Governanta, contratada pela filha para lhe dar apoio, que lhe dá cabo do juízo por limpar e arrumar as coisas, e o seu cão cujo nome muda várias vezes ao dia.

Ao longo da história vamos testemunhando o enfraquecimento da saúde mental e física do Professor Penedo Quental, quando a sua escrita começa a ficar confusa e quando começa a descurar na higiene, mas duas coisas não lhe faltam: teimosia e humor muito especial.

Naturalmente, nesta história temos também a perspetiva da relação do Professor com a sua filha e é nesses momentos que conseguimos ter um vislumbre do sofrimento das pessoas próximas de alguém que tem Alzheimer.

“A minha filha tem sido um anjo comigo e até defendeu que eu deveria voltar a escrever. Disse-me que, se eu o fizesse, poderia reler e lembrar-me das coisas. Vou deixar isto muito bem sublinhado: a minha filha, Sarah Borges Quental, é um anjo! E o meu maior desejo é nunca me esquecer dela.” (p. 18)

Ler a narração do Professor é uma montanha russa de emoções. Se num parágrafo soltamos gargalhadas fáceis, logo a seguir sentimos que levamos uma facada de realidade sobre o que é viver com um prazo de validade da nossa memória. Assim, a narração equilibra-se entre o peso do diagnóstico e a leveza das situações caricatas em que o Professor se mete ou cria.

Será a verdadeira morte aquela em que o nosso coração para ou será quando nos esquecemos quem somos e quem amamos?

Este livro tem um estilo de narração muito próprio e é bastante diferente de todos os restantes que li do autor. Apesar de ser um livro pequenino em tamanho (139 páginas) tem uma história gigante.

“A Força das Sentenças” ganhou o Prémio Literário Manuel Teixeira Gomes e foi reeditado em abril pela Cultura Editora.

Agradeço ao autor a oferta do exemplar.

Classificação: ★★★ (5/5)

Com amor, Brenda