sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Lego House

Para acompanhar a leitura

Texto inspirado no vídeo que vi aqui: http://www.tabonito.pt/o-video-comovente-contra-o-abuso-sexual-de-mulheres-que-esta-correr-o-mundo


Lembro-me que uma vez, talvez no 8º ano de catequese tivemos que fazer uma atividade. Esta consistia em colocar post-its nas costas dos nossos colegas e escrever um adjetivo sobre deles. Fiquei muito contente com o desafio, pois tinha convivido a maior parte da minha vida com aquelas pessoas e, ainda que, não fosse amiga de algumas tinham sempre um sorriso para mim.

A atividade começou e tudo foi feito de modo a que ninguém soubesse quem escrevia o quê.

O alarido da sala era grande, muita gente riu e à volta de 15 pessoas escreveram em post-its nas minhas costas. Eu também escrevi em todos eles. Com quem não falava coloquei apenas "linda(o)", "simpática (o)" ou simplesmente "divertido(a)" porque na verdade não tinha nada de mal a dizer, sempre tinham sido simpáticos comigo, educados e brincalhões nas lições da catequese e alguns até no recreio.

A catequista pediu então que revelássemos o que tinham escrito. Empolgada tirei os papelinhos das minhas costas e foi aí que me deparei... Adjetivos como "puta", "cabra", "betinha" apareceram. O sorriso saiu logo do meu rosto e lembro-me perfeitamente que a catequista me perguntou o que tinham escrito. Não chorei. Eu era uma chorona na altura, mas não chorei. Lembro-me também de cerca de 1/3 dos que ali estavam a dizer "linda", "simpática", amiga"... Ah e "tímida".

Olhei aqueles papéis como um inferno. Não tinha feito nada para merecer aquelas palavras. Olhei os meus colegas e nenhum mostrou qualquer sinal de ter sido ele a escrever aquilo.

Tivemos que ler em voz alta o que tinham dito. Eu lá comecei a dizer o que tinham escrito. 

A catequista perguntou porque tinham escrito aquilo sobre mim, se tinha alguma vez dado algum motivo para dizerem aquelas coisas. Ninguém se pronunciou. Sabiam que eram só palavras da boca para fora. Não me metia com ninguém, falava o necessário, passava o tempo a estudar. Dava-me bem com todos...

A catequese acabou, mas a lição que retirei dela não.

Valorizei os elogios, até o "tímida", visto que era a mais pura das verdades! Mas os insultos ficaram. Ensinaram-me que faças o que fizeres haverá sempre alguém a recear que sejas mais bonita, mais sucedida, ou simplesmente mais simpática do que ela. Há sempre alguém que acha que tu não podes ser feliz porque essa pessoa não o é.

Aprendi que entre as boas pessoas, que realmente valorizam quem és, existem também as más. Aqueles que não te conhecem, conhecem apenas o teu nome e a tua aparência e isso é o que basta para te rotularem de algo mau, simplesmente porque não te compreendem, ou não querem compreender. 

Naquela idade a inveja e o ódio nem existiam, penso eu... São sentimentos muito fortes que não se aprende nessa idade. Mas o facto de eu ser aluna de excelência claramente não ajudou, era até como uma afronta para muitas pessoas, como se eu tivesse nascido para as deixar mal. Quando a única coisa que sempre fiz foi trabalhar para saber o máximo que pudesse e seguir o meu caminho com isso.

Foi uma brincadeira de crianças claro, mas abriu-me muito os olhos. Mostrou que é muito fácil falar-se das pessoas anonimamente, é muito fácil dar adjetivos maus quando elas não sabem que foste tu. Por isso pensa. Pensa se gostarias de tirar um post-it das tuas costas com um insulto, algo que tu sabes que não és. "Não se deve fazer aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem a nós."

Serás sempre mais bem sucedido que alguém. É um facto. E serás também menos sucedido que outros. É a hierarquia da vida. A diferença é como reages a isso: se decides criticar pelas costas ou ser feliz pela pessoa e trabalhar pelo teu próprio sucesso.

O que se diz a uma pessoa pode parecer banal, mas pode ficar com ela a sua vida toda. Pode influenciar a maneira como vê o mundo, a sua personalidade. Pode influenciar como vê as pessoas no geral depois disso. E influencia-te a ti também, o teu caráter e a pessoa que és no dia de amanhã, e depois disso...

É fácil falar por trás, mandar indiretas, ser invejoso. Mais difícil é fazer tudo às claras. É mais fácil apontar o dedo ao outro e dizer que ele é falso, imperfeito. É fácil... Difícil é teres consciência que ao apontar esse dedo ao outro tens outros três apontados a ti, cada um pelo que tens que te esforçar: caráter, dignidade e felicidade.

Eu vivia num castelo cor-de-rosa, achando que todos eram bons, felizes e com orgulho nas pessoas que são. Nesse dia ele desabou, nunca mais acreditei no sorriso das pessoas, nem nas suas aparentes boas intenções. Reconstruí a minha casa e cerquei-a por grandes muralhas de pedaços de desilusão que fui colhendo ao longo do tempo.

E como uma casa de legos pedaço a pedaço, desilusão a desilusão, ela foi ficando maior.

Maior a cada desilusão, sem visitas indesejadas e com largo espaço para os verdadeiros amigos. Poucos têm o privilégio de lá entrar. Para todos os outros sou simplesmente alguém fechado, protegida do mundo ou, simplesmente, a conspirar um plano para os destruir. As pessoas terão sempre algo contra aquilo que não conhecem bem, ou que não se permitem conhecer.

As pessoas terão sempre algo contra ti, faças o que fizeres, por isso vive, desfruta das coisas boas e escolhe bem os teus amigos.